“Louvai a Deus”: algumas breves considerações sobre a nova exortação do Papa Francisco
Por Frei Adriano Borges de Lima, OFMCap
“Laudate Deum é o título desta carta, porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo” (LD 73).
Passados oito anos da Carta Encíclica Laudato Si, novamente o tema da gestão ambiental e a nossa responsabilidade diante do planeta se tornam assunto do magistério do Papa Francisco. Se na Encíclica ele tratava de uma ecologia integral, a partir da reflexão do cuidado da casa comum, com a presente Exortação Apostólica, lançada – “emblematicamente” – na abertura do Sínodo da Sinodalidade e dia de São Francisco de Assis, o Papa busca acentuar um ponto importante da questão: a crise climática.
Não parece correto considerar a Laudate Deum, somente uma espécie de complemento da Laudato Si, como alguns chegaram a pensar que seria. “Com o passar do tempo, dou-me conta de que não estamos a reagir de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está se esboroando e talvez aproximando dum ponto de rutura” (LD 2). Ao contrário, soa mais justo dizer que estamos diante de uma Exortação Apostólica com tons de grande clamor, uma verdadeira convocação, quase um desabafo: agimos agora ou não nos restará mais nada, a não ser lamentar as consequências. “Tudo que se nos pede é uma certa responsabilidade pela herança que deixaremos atrás de nós depois da nossa passagem por este mundo” (LD 18).
Dividida em 06 capítulos e 73 números, a Exortação começa tratando do tema que motivou sua publicação, a crise climática. Já no primeiro capítulo o Papa afirma que se vê “obrigado a fazer estas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja Católica” (LD 14). De fato, existe um tom de alerta e lamento nas primeiras palavras do Papa. A constatação é que, embora o caminho percorrido, ainda existem fortes sinais e ações de negacionismo, dissimulações e relativizações dos sinais que as mudanças climáticas impõem sobre cada um de nós (cf. LD 5). “Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenômenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis duma doença silenciosa que nos afeta a todos” (LD 5).
O segundo capítulo destaca uma crítica ao crescente paradigma tecnocrático, tema já bem desenvolvido na Laudato Si. a grande crítica está quando se atesta que “o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência” (LD 24). Há oito anos o Papa propunha um novo paradigma, em vista de salvarmos a natureza e, consequentemente a nós mesmos. Novamente, agora em tom de grito, novamente nos é proposto essa conversão. “Isto permite-me insistir em duas convicções que não me canso de reiterar: ‘tudo está interligado’ e ‘ninguém se salva sozinho’” (LD 19).
O terceiro capítulo aponta para a fragilidade da política internacional. O Pontífice reconhece que devemos favorecer os acordos multilaterais entre os Estados (cf. LD 34). Mas, “não é conveniente confundir o multilateralismo com uma autoridade mundial concentrada numa só pessoa ou numa elite com excessivo poder” (LD 35). Mais do que salvar, o desafio é redesenhar e recriar o multilateralismo a partir dessa nova situação global (cf. LD 37). A Exortação aponta para a importância das bases, dos povos, das pessoas de boa vontade, de cada um de nós. Não podemos esperar somente dos grandes líderes ou mesmo das nações mais ricas as mudanças que urgem acontecer agora. É oportuno um “multilateralismo ‘a partir de baixo’ e não meramente decidido pelas elites do poder” (LD 38).
O quarto capítulo, quando recorda as inúmeras Conferências sobre o Clima jpa realizadas até aqui, parece fundamentar o apelo anterior. O Papa tem uma intencionalidade. Realmente não podemos esperar dos líderes ou de algumas nações, pois o que se constata é que “as negociações internacionais não podem avançar significativamente por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global” (LD 52).
A próxima COP28, a realizar-se ainda este ano em Dubai, também é tema da Exortação. Quanto a esta diz assim: “Se há sincero interesse em obter que a COP28 se torne histórica, que nos honre e enobreça enquanto seres humanos, então só podemos esperar em fórmulas vinculantes de transição energética que tenham três caraterísticas: eficientes, vinculantes e facilmente monitoráveis, a fim de se iniciar um novo processo que seja drástico, intenso e possa contar com o empenhamento de todos. Isto não aconteceu no caminho percorrido até agora” (LD 59).
O sexto e último capítulo convida a um novo redirecionamento. Partir das bases, mas, sobretudo por uma verdadeira mudança cultural, pois, “não há mudanças duradouras sem mudanças culturais, sem uma maturação do modo de viver e das convicções da sociedade; não há mudanças culturais sem mudança nas pessoas” (LD 70).
“O mundo canta um Amor infinito, como não cuidar dele?” (LD 65). Embora a exortação seja direcionada à todas as pessoas de boa vontade, no final existe um apelo especial a todas as religiões, com uma palavra direcionada aos cristãos católicos. A exortação é curta, pontual, provocativa. Talvez poderia ter sido mais desenvolvida em alguns aspectos. Mas, pontualmente diferente de uma encíclica a exortação apostólica tem um caráter mais pastoral, provocativo, que convida a uma continuidade da reflexão e das ações, que pode e deve partir das bases. Convida a uma mudança cultural que começa a partir da mudança de paradigmas, comportamentos e opções. O grande desafio “pastoral” é fazer a Exortação e sua temática, conhecido, inclusive dentro da própria Igreja. Essa é uma responsabilidade pastoral e de todos que desenvolvem este trabalho de pastoreio. O que estamos fazendo? O que iremos fazer?